11.7.07

Entrevista para Revista Expressão

CULTURA

Por Martha de Sá

Um artista da argila

Dificilmente, alguém não tenha em casa, pelo menos, uma obra de arte feita em barro, ou em argila, como preferem alguns, decorando os mais variados ambientes.
A arte do barro é uma atividade milenar existente há mais de 3.000 anos antes de Cristo. No Brasil é uma prática muito representativa para a cultura popular. É uma herança deixada pelos índios. As índias faziam brinquedos de barro para os filhos e objetos domésticos como gamelas, tigelas, alguidares, potes e modelavam de acordo com sua criatividade e ou necessidade, e pintavam com tintas fortes e coloridas, inspiradas na natureza.
Geralmente, os artesãos do barro são artistas anônimos espalhados pelos sertões do Norte e Nordeste do Brasil. Em muitos municípios do Nordeste brasileiro, especialmente em Pernambuco, é grande a prática do artesanato de barro, comumente feito de forma rústica em Caruaru, Tracunhahém e Goiana, que são as cidades que mais se destacam na produção de cerâmicas utilitárias e ornamentais no Estado, atraindo brasileiros e, claro, turistas de todos os ‘sotaques’...
E é impossível falar de trabalhos feitos em barro ou argila, sem citar o pernambucano Mestre Vitalino, que há muito tempo deixou de ser um artista anônimo, já que suas esculturas fazem enorme sucesso em todo o Brasil e também no exterior.
Morando em Ribeirão Preto há 27 anos, o escultor Milton Carlos Nascimento da Conceição, é um paranaense nascido em Campo Mourão e afirma ter sido muito influenciado por Mestre Vitalino. Ele conta que sempre gostou de arte, admirando muito a obra de Michelangelo. Mas, certamente, o convívio com o avô, também fez parte desta influência, ainda que discretamente. “Ele fazia aqueles cestos, tipo balaios, de cipó, num sítio aqui em Ribeirão e eu o ajudava muito”, lembra o autodidata Milton Carlos.

Paixão por santos e nariz

Assim, com a arte pulsando cada vez mais forte em suas veias, resolveu parar de “fugir dela”, afinal, talento e sensibilidade nunca lhe faltaram. E há dois anos, Milton decidiu viver exclusivamente do que mais ama e sabe fazer na vida: trabalhar com o barro, esculpir e criar suas obras que aliás, que já têm agradado a muitas pessoas, como a veterana e renomada artista plástica Clara Cauchik, uma grande incentivadora de seu trabalho.
Atualmente, a grande marca do trabalho desse artesão, tem sido os santos e bustos. “Adoro esculpir santos e noto que as pessoas também são muito atraídas por eles”, diz.
Uma curiosidade que o escultor revela é que, desde sempre, ele gosta muito de nariz e sempre começa uma obra sua ‘fazendo o nariz’. “É como se fosse o centro, uma referência muito importante...”, tenta explicar.
Apesar de toda a rusticidade habitual da arte em barro, Milton é adepto de um estilo bem mais acadêmico. “Já tentei várias vezes fazer o abstrato, mas, não deslancha mesmo”, confessa. Sendo o autodidata que é, seu trabalho chega a impressionar pela precisão de alguns detalhes, como a excelente definição de anatomia apresentada em cada peça esculpida. O artesão também gosta bastante de esculpir referências do rico folclore brasileiro e animais.
E de suas mãos talentosas, também já ‘nasceram’ belos índios, mulheres, andarilhos, o casal Romeu e Julieta, a Iara, entre outras criações, feitas num atelier em seu própria casa, onde de dois anos para cá, Milton Carlos acredita já ter feito cerca de 40 obras.
De vez em quando, ele também esculpe em pedra-sabão, que devido à resistência natural, demora muito mais tempo para ficar pronta. “Mas, a minha paixão mesmo é trabalhar com a argila. Se pudesse ficava 24 horas só esculpindo”, conta empolgado, ele que, gosta de trabalhar ouvindo ópera e música clássica.
Sem salto alto nem estrelismo, mas confiante em seu talento e dedicação, contatos e novas oportunidades vão surgindo na sua carreira. E ele já tem chegado também a outros mercados importantes, como o da arquitetura e decoração.
Por exemplo, quando necessário, é ‘convocado’ pela loja Império Romano para criar algumas peças de decoração, como as chamadas ‘rosetas’, habitualmente usadas em paredes. “Já criei várias e acho que o resultado final agradou”, avalia.

Da exposição para aulas

Talento nato, influências relevantes, decisão em viver de arte e dedicação incansável, claro que logo vieram as exposições, sempre tendo boa repercussão.
Na primeira delas, em setembro de 2005, no “Poupa Tempo” em Ribeirão Preto, chamou tanto a atenção de Augusto Alexandre, Secretário Municipal de Educação de Pradópolis (SP), que logo foi convidado para dar aula na escola de artes do CEMA - Centro Educacional Municipal de Aprendizagem-, onde ensina há 10 meses, quatro turmas com crianças de 5 a 13 anos, três vezes por semana. “É um privilégio e uma terapia poder ensiná-las e uma satisfação perceber que muitas têm um futuro artístico”, diz comovido.

Planos e desafio

E já que divulgar e expor seus trabalhos tem sido quase uma rotina na vida de Milton Carlos, até o último dia sete de janeiro, cinco obras suas estiveram numa exposição coletiva no Novo Shopping, junto com vários artistas de Ribeirão Preto.
E como um apaixonado pelo o que faz, o artesão mantém seu ritmo cheio de inspiração, muito fôlego, gás e faz planos para 2007. “Quero realizar uma exposição individual com cerca de 20 obras e pretendo montar meu atelier num espaço no centro da cidade”, avisa.
Um sonho desse talentoso artista é ter uma obra sua em destaque, em algum ponto conhecido de Ribeirão, seja num parque, numa avenida ou rotatória da cidade e ele até ‘sugere’ um lugar. “Naquela rotatória a caminho do Novo Shopping, próximo a um hotel... ali é uma das principais entradas da cidade e está muito feia, esquecida...”
Além de planos e sonhos, Milton definitivamente não tira da cabeça o seu grande desafio: esculpir pessoas em tamanho natural. “Pode até demorar, mas eu ainda vou fazer isso...”, finaliza o escultor.

Fonte:
www.fundaj.gov.br/

"Saudades" - Pedra Sabão